• Nem Talált Eredményt

EXPRESSÕES FÁTICAS PARA INICIAR OU TERMINAR O CONTATO VERBAL ENTRE LUSOFALANTES

1. Expressões fáticas para iniciar o contato

Iniciar uma conversa é o primeiro passo para incentivar e proporcio-nar uma interação interpessoal satisfatória. Em princípio, a tentativa de estabelecer um contato verbal encontra o seu alicerce na impor-tância fundamental da socialização, na necessidade natural, diária de trocar impressões e pensamentos, de compartilhar conhecimento com os outros, de entrar em contato com eles para atingir certos fi ns próprios (Nistratova 2001; Mangacheva 2011). Tal noção é afi rmada ainda pelo famoso antropólogo e sociólogo Bronislaw Malinowski (1923), que reconhece que o desejo de proximidade e solidariedade é sempre inerente às sociedades humanas, tanto primitivas como civilizadas, e a sua manifestação pode fi car estereotipada, emoldu-rada no uso da linguagem. O dito cientista explora precisamente essas dimensões do discurso dialógico e nota que o início do contato verbal e da troca de palavras sem valor informativo especial, mesmo para evitar ou quebrar o silêncio, tem uma importância social extra-ordinária (Malinowski 1923: 314–315). Mais tarde, a essa opinião é adicionada também a conclusão de que a própria escolha de meios fáticos contribui para a determinação dos papéis interacionais no evento e para a confi rmação das relações construídas (Laver 1975).

Observando os sinais de fala que iniciam o contato, podemos dis-tinguir diferentes técnicas que servem para atrair a atenção e conse-guir aproximar-se do outro (saudações, perguntas, comentários de rotina, etc.) (Kulkarni 2014). O que estas têm em comum são a inten-ção inicial – exprimir respeito, atitude amigável e empatia (Jumanto 2014), e o efeito alcançado – criar harmonia e conforto na interação

28

interpessoal, promover uma sensação de reciprocidade e confi ança, consolidando a atitude cooperativa do interlocutor (visto que geral-mente se recebe uma resposta da parte do interlocutor). Pelo mesmo motivo, as unidades da fala associadas à marcação dessa fase prin-cipal – o início do intercâmbio comunicativo – são consideradas também meios de expressão de delicadeza, i.e. em relação direta com a maneira como se constroi o relacionamento entre os participantes no evento social (Leech 1983; Brown/Levinson 1987).

Particularmente na fala portuguesa, para se regular a fase inicial de interação usam-se sobretudo fórmulas de polidez1 para cumpri-mentar, como por exemplo: olá; oi; viva; (muito) bom dia; boa tarde/

noite, bem-vindo/vinda. Não raro aparecem interjeições como ah, ai, ei, advérbios como então, ora, bem, e também estereótipos linguísti-cos para verifi car o funcionamento do canal comunicativo: está/

estás? Tais expressões utilizadas para iniciar o contato surgem inde-pendentes ou em combinação, como por exemplo:

1. – Ora, boa tarde.

–> Boa tarde. (CP: Cacém)

Em qualquer caso, a etapa interacional introdutória implica a esco-lha de um comportamento discursivo apropriado a condizer com a hierarquia na inter-relação e permite a passagem respetivamente para um registo formal ou informal de comunicação. No corpus aqui estudado, nota-se que na maioria dos casos os falantes já possuem alguma informação uns sobre os outros. O emissor dirige-se ao des-tinatário usando o seu nome juntamente com uma fórmula de sau-dação para atrair a sua atenção e mostrar respeito adequado e boa vontade. O emprego de expressões estereotipadas desse tipo tem como objetivo diminuir a distância presumida e fornecer um acesso imediato ao espaço do interlocutor (Vlčková 2006):

1 Sobre realizações semelhantes com o mesmo valor noutros idiomas veja Leech (1983: 29), Brown e Levinson (1987: 96), Vlahova (2000: 88) , etc.

29 2. – Olá, Rosita, boa tarde! (L: 1)

3. – Então, vamos começar a nossa conversa. Boa noite, Maun X.

–> Boa noite. (L: 12)

Em situações nas quais não existe um contato visual entre os interlo-cutores (por exemplo, numa conversa telefónica), no próprio início da interação verifi ca-se primeiro o canal de comunicação (ou seja, atende-se a chamada) e só então os falantes se cumprimentam, tendo o parceiro já reconhecido (Schegloff 1979: 1080; Molina 1998).

A expetativa é cada troca de comentários seguir uma determinada organização, ou melhor, um esquema apreendido e considerado mais estável. Assim, o ato inicial numa determinada unidade dialógica recebe uma resposta apropriada, geralmente previsível, e não é acon-selhável omitir passos básicos, mesmo que sejam claras a sua natu-reza e ordem. Como pode ser visto no exemplo real abaixo, o emissor tende a duvidar do funcionamento do canal justamente por receber uma resposta diferente da esperada. É por isso que insiste em repetir o seu turno, e a seguir, o destinatário reformula o seu enunciado com um acréscimo adequado – uma confi rmação da compreensão mútua e da coordenação na estruturação da troca:

4. – Está?

–> Bom dia.

– Está sim?

–> Estou sim, bo m dia. (CSP: Moçambique)

O sucesso na realização da interação verbal depende proporcional-mente tanto da prontidão, como também do desejo de participar do destinatário. Portanto, se o falante não está convencido da atitude cooperativa do ouvinte ou quer „ressegurar-se” contra uma eventual impressão inoportuna, ele pode continuar o seu turno com um pedido de desculpa ou acrescentar uma expressão de gratidão,

reali-30

zados por meio de fórmulas de polidez como desculpe/desculpa; com licença; obrigado/obrigada; agradeço por, por exemplo:

5. – Então, muito bom dia. Muito obrigada por ter acedido ao convite para participar comigo nesta conversa. (EC: INF3) 6. – Desculpe voltar a incomodá-la… (CSP: Cabo Verde)

Nalgumas situações comunicativas durante a fase introdutória da con-versa, o falante exprime entusiasmo ou preocupação com o estado do seu interlocutor por meio de perguntas como tudo bem?; como está(s); como vai? Frequentemente, a resposta a tal intervenção é uma expressão ritualizada como tudo bem; (estou) bem, obrigado, que não refl ete nem implica uma explicação mais profunda da condição de sáúde ou do estado da alma, o que sugere que a reação segue um modelo convencional e bem apreendido a nível pessoal. Num deter-minado contexto, a sequência conversacional resultante pode até ser-vir como um substituto da troca de saudações – um par adjacente2 a unir tanto o início, como também a continuação lógica da intera-ção (Sacks 1995: 554). Na maioria dos casos porém, a questão sobre a boa disposição é uma espécie de extensão do recurso básico para iniciar o contato (Hopper et al. 1991: 370):

7. – Boa tarde, tia. Então, está tudo bem?

–> Bem, obrigada. (L: 10)

Em qualquer caso o propósito do turno inicial (independentemente do seu conteúdo concreto) é estabelecer uma ligação com o inter-locutor e provocar a intervenção verbal correspondente, que, por sua vez, sinaliza a intenção de manter o contato no futuro próximo e marca a distribuição conseguida dos papéis comunicativos.

2 Na descrição da estrutura da conversa aplica-se a terminologia de Sacks, Schegloff e Jeff erson (1974), na versão aceite na comunidade científi ca lusófona (ver p.ex. Lima 2007).

31 Pelo seu potencial funcional, as expressões para iniciar o contato aqui descritas estão ligadas ao envolvimento na comunicação e à or -ganização da troca verbal. Os ditos meios servem para atrair a aten-ção do destinatário e para verifi car a prontidão deste de consentir e participar na conversa. Indicam a iniciativa do falante, que quer entrar num intercâmbio ativo, e contribuiem para a construção ou para o fortalecimento de certas relações interpessoais, necessárias para a realização da interação verbal completa. Numa perspetiva estritamente interacional, as expressões para iniciar o contato causam um estruturamento determinado da fase inicial da troca e, em con-dições ideais, o seu emprego procura sempre a coordenação perma-nente com o destinatário e um compartilhamento harmonioso dos papéis comunicativos. Tais expressões provocam e recebem uma res-posta verbal – o seu uso desencadeia o próximo passo dialógico, que preenche o todo desejado e simetricamente organizado. Para além da sua fi nalidade óbvia, os meios aqui mostrados são também sempre dirigidos à continuação do contato. A indicação do início da comu-nicação estimula a troca de turnos através de alternância nas tomadas de vez e é uma introdução a um tema específi co de conversa. Em termos de características estruturais e posicionais, as expressões analisadas aparecem sempre mesmo no início do episódio comuni-cativo e normalmente formam um único turno. São utilizadas sepa-radamente – em pares adjacentes, com acumulação – numa série expandida, mas podem ser permutáveis e muitas vezes formam uma variedade de combinações dentro do contributo inicial da interação.

Em termos semântico-formais, os sinais de estabelecimento do contato são construções estabilizadas, compostas por advérbios, inter-jeições, formas verbais invariáveis, geralmente aceites como expres-sões ritualizadas ou fórmulas de delicadeza (com valor de saudação, pedido de desculpa, agradecimento, etc., que se decifram facilmente sem qualquer ajuda do contexto). As unidades não são estilistica-mente marcadas e podem ser encontradas tanto no registo formal, como na linguagem informal.

32