• Nem Talált Eredményt

MADAME POMMERY: ENTRE A MALANDRA E A PROSTITUTA 1

4. Considerações fi nais

Madame Pommery é uma personagem literária que compartilha vá -rios traços com o malandro masculino, tal como foi retratado nos romances Memórias de um sargento de milícias, de José Manuel de Almeida, ou Macunaíma, de Mário de Andrade, e analisado nos

115 estudos de Antônio Cândido, Roberto DaMatta, Roberto Schwarz ou Cláudia Matos. A esses traços pertence a privação de pelo menos um dos pais, a falta de bons modelos para seguir na vida, ou a astúcia que se manifesta sobretudo na capacidade de se aproveitar dos outros.

Por outro lado, a protagonista do romance de Hilário Tácito mani-festa caraterísticas que não coincidem plenamente com a imagem estereotipada do malandro. É sobretudo na questão do ócio e da vadiagem, que representam um dos pilares da malandragem, onde Madame Pommery difere do modelo masculino, por ter optado pela vida de trabalho. As razões pelas quais ela segue o caminho de traba-lho, em vez de ócio, podem ser procuradas nas condições em que ela se situa, que são diferentes daquelas do malandro. Na vida do malan-dro, que nasce como um velhaco brincalhão, em geral existe um parente ou um tutor que o libera da necessidade de lutar pela sobre-vivência. No caso de Pommery, a falta de alguém que a proteja não cria espaço fértil para a vadiagem. Nesse respeito ela se parece mais com o pícaro que, pelo fato de ser largado no mundo e vivenciar um

“choque áspero com a realidade” (Cândido 1970: 69), não tem outra opção senão lutar pela vida sozinho, com o próprio esforço.

Além da falta de um protetor, outra razão pela qual Pommery se dedica ao trabalho deve ser procurada na sua condição de mulher de origem pobre, que vive em um meio conservador e patriarcal. Na sociedade brasileira da época, com a carência de trabalhos femini-nos, a prostituição era uma das poucas opções de se ganhar a vida, ainda mais no caso das imigrantes. Madame Pommery, portanto, aproveitou-se da sua experiência prévia no ofício e da sua origem europeia e conseguiu subir na vida justamente nesse ramo profi s-sional.

Contudo, apesar de Madame Pommery não poder ser carateri-zada como um indivíduo ocioso, tal como um malandro vadio é uma pessoa que oscila entre a ordem e a desordem. Se a sociedade julga negativamente o malandro pelo fato de o seu estilo de vida ser avesso ao trabalho, o motivo das críticas contra a prostituta e depois a

cafe-116

tina Pommery reside na sua profi ssão. Nesse sentido, o romance de Hilário Tácito contribui para desconstruir alguns dos preconceitos com a prostituição, mostrando que esta atividade, sobretudo na esfera do alto meretrício, é um campo de negócios como qualquer outro.

Concluindo, devido a vários traços da malandragem que observa-mos na protagonista do romance de Hilário Tácito, concordaobserva-mos parcialmente com a tese, defendida por José Carlos Mariano do Carmo, de Madame Pommery poder ser considerada uma malandra.

Por outro lado, a determinação e a iniciativa, observadas nessa per-sonagem, a sua capacidade de criar metas e de as atingir, de subir na vida não apenas devido à sua inteligência e astúcia, mas também através de um trabalho meticuloso, estão totalmente ausentes na fi gura do malandro e são, no nosso ver, o traço principal que diferen-cia esta personagem dos malandros masculinos.

Bibliografi a

Almeida, Manuel Antônio de (1997). Memórias de um sargento de milícias, Rio de Janeiro: Ediouro.

Andrade, Mário de (1973). Macunaíma: o herói sem nenhum carác-ter, São Paulo: Martins.

Cândido, Antônio (1970). Dialética da malandragem (Caraterização das Memórias de um Sargento de Milícias), in: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 8, pp. 67–89.

Carmo, José Carlos Mariano do (2003). Madame Pommery: a pri-meira malandra na prosa fi ccional brasileira, https://repositorio.

ufsc.br/xmlui/handle/123456789/85776 (31/12/2020).

Cascudo, Luís da Câmara (2005). Dicionário do folclore brasileiro, Rio de Janeiro: Ediouro.

DaMatta, Roberto (1997). Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, Rio de Janeiro: Rocco.

Ferreira, Sandra A. (2006). Entre a biblioteca e o bordel: a sátira nar-rativa de Hilário Tácito, São Paulo: Editora UNESP.

Matos, Cláudia Neiva de (1982). Acertei no milhar: malandragem e samba no tempo de Getúlio, Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Rago, Margareth (1990). Os prazeres da noite: a prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890–1930), http://reposi-torio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/325802 (31/12/2020).

Schwarz, Roberto (1987). Que horas são?: ensaios, São Paulo: Compa-nhia das Letras.

Tácito, Hilário (1998). Madame Pommery, São Paulo: Editora Ática.

Abstract:

Madame Pommery: Balancing between a Malandra and a Prostitute Th is article examines if the traits related to the concept of malandragem are present in the protagonist of the novel Madame Pommery (1919) by the Brazilian author Hilário Tácito. In the fi rst part of the article, we will defi ne basic features of malandro, viewed as an important character in Brazilian culture. We will draw from several studies by some important scholars who dealt with the concept of malandragem. In the second part of the article, we will conduct an analysis of the protagonist of the novel in order to deter-mine if she can be seen as possessing some of the traits inherent in the defi nition of malandro. Th e objective is to clarify if Madame Pommery can be considered a malandra and how she eventually diff ers from her male counterparts.

Keywords:

Hilário Tácito, Madame Pommery, malandragem, malandra, prostitute

CULTURA

121 Boglárka Varga

Universidade Eötvös Loránd, Budapeste